Fepesp - Federação dos Professores do Estado de São Paulo

Por Beth Gaspar em 6 de abril de 2023

Os 60 anos do método Paulo Freire

Documentário, exibido nesta quarta em evento dos 60 anos de nascimento do método de alfabetização de adultos, será ampliado até o final de 2023

Há 60 anos, o educador Paulo Freire dava início a um experimento na pequena cidade de Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte, que marcaria sua biografia e trajetória intelectual para sempre.

Foi lá que o filósofo testou e lapidou seu método de alfabetização de jovens e adultos que previa ensinar a ler e escrever em 40 horas a partir de palavras e situações do cotidiano local.

 

Já viu Paulo Freire sem barba? Era assim que se apresentava, ainda jovem, quando iniciou o ensino pelo seu método nos anos 60, no Rio Grande do Norte

 

O sucesso desse laboratório pedagógico serviu de base para a teoria do conhecimento de Freire apresentada em obras que ganharam o mundo, como a célebre “Pedagogia do Oprimido” (1968), terceiro livro mais citado em ciências sociais no planeta, segundo estudo da London School of Economics (LSE), do Reino Unido.

Num tempo em que analfabetos não tinham direito a voto no Brasil, o resultado do processo emancipatório freiriano em Angicos produziria um índice revelador: ao final das 40 horas de aula, 300 alunos do curso se inscreveram para votar na zona eleitoral da cidade potiguar, que até então tinha apenas 800 eleitores cadastrados.

O êxito da experiência, que rendeu a Freire um convite do então presidente João Goulart para nacionalizar a iniciativa a partir do Ministério da Educação e Cultura, também gerou temores e desconfianças.

 

Veja o trailer do documentário aqui

 

Depois do golpe de 1964, o governo militar prendeu Freire e encerrou abruptamente o projeto em Angicos. Rumores de que os alunos seriam igualmente perseguidos levaram os recém-letrados a queimarem cadernos e livros para que não restasse nenhum rastro de seus tempos de estudante.

Nos últimos anos, o educador foi tratado como inimigo público pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno. Neste ano, o governo paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos), alinhado ao bolsonarismo, decidiu mudar o nome de uma futura estação da linha 2-verde de Paulo Freire para Fernão Dias. O Ministério Público foi acionado e uma petição pública tenta reverter a medida.

Mas é sobre a revolução educacional semeada naquele sertão de que trata o documentário “Fonemas de Liberdade”, da diretora norte-americana Catherine Murphy. O filme será exibido em Angicos nesta quarta-feira (5) durante as comemorações da experiência sexagenária.

A celebração dos 60 anos de Angicos terá a presença de ex-alunos do projeto pioneiro de Freire e de educadores que coordenaram as primeiras 40 horas de aulas no local, então batizadas de Círculos de Cultura. Muitos deles assistirão a seus próprios depoimentos para o documentário numa tela de cinema pela primeira vez.

“No mundo da educação e, em especial, da alfabetização de adultos, todos os caminhos levam a Paulo Freire”, afirma a documentarista, que está no Brasil para aprofundar a investigação sobre o experimento de Angicos em um segundo filme sobre berço do método freiriano.

“A obra de Paulo Freire é tão influente em todo o mundo, e em áreas tão diversas quanto saúde pública e teatro, que me pareceu importante entender concretamente qual foi o trabalho de base realizado por ele nas comunidades antes de publicar seus livros”, explica Murphy.

 

Entre a concepção e a realização de “Fonemas de Liberdade”, no entanto, teve uma pandemia. E a emergência da Covid-19 inviabilizou o cronograma de viagens e entrevistas para o filme.

Murphy havia participado de uma conferência internacional em Juazeiro do Norte (CE) no final de 2019, quando apresentou seu filme “Maestras”, sobre as jovens professoras que atuaram na Campanha de Alfabetização de Cuba em 1961. Por analogia, o debate após a sessão foi sendo conduzido para o trabalho de base de Paulo Freire, declarado em 2012 patrono da educação brasileira.

“Muita gente na plateia havia trabalhado com Freire no seu retorno do exílio, em 1979, e emergiu a queixa de que não havia um filme de igual porte sobre as origens do método freiriano”, relata. “Eu, na hora, me comprometi a trabalhar com eles no projeto de um documentário sobre o tema”, lembra ela, que em 2004 fundou a produtora The Literacy Project, voltada à investigação de projetos de alfabetização na América Latina.

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