Federação dos Professores do Estado de São Paulo, 29 de maro de 2024

28 de outubro de 2019|

Saúde: por que nossos professores estão adoecendo?

A saúde mental dos docentes é, de longe, a principal razão de afastamento dos professores da rede pública de ensino em São Paulo; foram 53,1 mil licenças por diagnóstico de transtornos mentais em 2018 no estado

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Nesta extensa matéria, focada especialmente em casos na rede pública de ensino em São Paulo, algumas pistas da extensão do que enfrentam professoras e professores em sala de aula.
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Bia Giammei e Luiza Pollo, da Agência Eder Content

 

“Foram tantas situações que eu enfrentei, desde dedo na minha cara, chute na porta, até ameaça de que eu ia morrer na saída. Pai de aluno ameaçando me matar, na cara de policiais. É tanta coisa, que a gente vai adoecendo.”

O relato é da professora Ana Célia Serafim Santos, de 56 anos. Diagnosticada com depressão, síndrome do pânico e transtorno bipolar, ela precisou tirar diversas licenças do trabalho como professora de Língua Portuguesa e Literatura nas redes municipal e estadual. Com a saúde mental fragilizada, não pôde mais voltar à sala de aula. Há sete anos, está readaptada em funções administrativas em ambas as escolas nas quais trabalha.

A situação de Ana Célia reflete a de dezenas de milhares de professores da rede pública de ensino em São Paulo. O número de licenças por transtornos mentais e comportamentais vem aumentando ano após ano. Somente em 2018, foram 53.162 licenças por esses diagnósticos, segundo dados do Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME). Esse número equivale a mais de 40% do total de afastamentos no estado.

 

O pano de fundo que está adoecendo nossos professores inclui acúmulo de cargos para ter um salário melhor, ambiente estressante (em alguns casos, perigoso) e sensação de falta de valorização.

“Com o tempo, você vai vendo as coisas. É salário, é desrespeito, você sendo massacrado pelo governo, pela sociedade, pelos pais, pelos alunos”, relata Alba Valéria Santos Ferreira de Araújo (50), professora de Filosofia, readaptada na rede estadual de São Paulo depois de tirar repetidas licenças por transtornos de humor. “Você vai se frustrando, você vai se sentindo realmente um nada e você se sente diminuindo. Você olha pra si mesmo e quem é você? Cadê aquela pessoa que lutou para realizar um sonho?”, questiona a professora.

 

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Membro do Grupo de pesquisa Educação, Experiências Docentes e Direitos Humanos do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), o professor Gregório Grisa diz que esse quadro evidencia a desvalorização do profissional no país. “Como na escola se materializam todos os problemas da sociedade, naquele microcosmo você tem a dimensão da insegurança, das relações interpessoais negativas entre alunos, colegas, pais, que instauram esse sentimento de medo, de angústia, que produz adoecimento”, afirma.

 

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A secretaria de Educação do Estado de São Paulo respondeu, por meio de nota, que “a valorização do professor, figura central no processo de aprendizagem, é prioridade para a atual gestão”. Para isso, diz o texto, desenvolve um conjunto de medidas para dar maior eficiência à gestão de recursos humanos e também para melhorar as condições de saúde de seus profissionais.

O serviço especializado do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe) é apontado como uma dessas iniciativas: “Os servidores podem buscar atendimento, inclusive de forma preventiva”, informa a SEE paulista.

Já a Secretaria Municipal de Educação da capital reconheceu, também em nota, que o professor exige atenção especial em relação à saúde pela natureza de seu trabalho, que envolve crianças e adolescentes. O foco em saúde mental, vulnerabilidades e risco social é atribuição do Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Aprendizagem (NAAPA), que promove ações dentro de escolas municipais com alunos e professores.

Somente em 2019, os 52 profissionais do NAAPA já realizaram 7,4 mil atendimentos na rede escolar paulistana, que vão desde a orientação pedagógica até o encaminhamento clínico.

 

 

Pesquisador com foco na saúde escolar e de docentes, o psicólogo Rodney Querino Ferreira da Costa diz que o excesso de estímulos que exigem atenção e resposta de todos, independentemente da profissão, acaba exercendo um papel fundamental no dia a dia dos professores. “Somos bombardeados o tempo todo por estímulos, principalmente com internet, redes sociais. Cada coisa dessas acaba tirando energia. Na hora em que você precisa de força para lidar com situações de estresse, que são as que geram mais gasto de energia psíquica, acaba não tendo”, explica.

Para Gregório Grisa, do IFRS, esse cenário resulta num círculo vicioso. “Um professor doente também produz menos aprendizado. Um professor com depressão ou transtorno de ansiedade provavelmente vai produzir menos, isso resulta em menos aprendizado para o aluno, num clima escolar de mais atrito, mais nocivo”, diz Grisa.

“Com esse número exaustivo de aulas, sem se alimentar direito, indo de uma escola para a outra, aquela correria toda a semana inteira. Chega num ponto em que você não aguenta mais.” (C.K., 60 anos, professora de Matemática da rede municipal de ensino em São Paulo).

 

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O que diferencia os professores, observa o psicólogo Rodney Costa, é que recai sobre eles uma série de responsabilidades na escola, que ultrapassam a formação acadêmica. Cada vez mais desgastados, sem energia para lidar com o mau comportamento dos alunos, a carga pesada de trabalho e a pressão mental, os professores adoecem.

No dia a dia, de acordo com o professor Gregório Grisa, o número excessivo de alunos em sala de aula é muito desgastante. “Você se depara com muitos dramas humanos, de famílias e de estudantes que, via de regra, faz com que o professor se cobre muito a pensar em como encaminhar bem, sendo que esse não é necessariamente o seu papel”, afirma o integrante do IFRS.

“Hoje, o professor está fazendo muito mais o papel de psicólogo e também de assistente social, porque tem que correr atrás de pai, mãe, conscientizar sobre um monte de coisas”, diz Ana Célia.

 

Alba Valéria de Araújo (50), professora de Filosofia readaptada na rede estadual (Cacalos Garrastazu/ eder content)
Alba Valéria de Araújo (50), professora de Filosofia: ‘alunos pedem ajuda’

A professora Alba relata a angústia: “A gente vê nossos alunos tentando suicídio, você vê que essas crianças estão te pedindo ajuda e o que você fez? Isso foi uma das minhas frustrações, porque muitas vezes você quer ajudar, mas como você pode ajudar? Qual é o seu alicerce ali? Você não tem para onde correr”.

O psicólogo Rodney Costa avalia que os professores precisam contar com apoio psicológico constante, não apenas quando adoecem. Ele compara a profissão do docente à do próprio psicólogo: lidar com o sofrimento dos outros no dia a dia causa uma carga mental muito grande.

Autor do livro Educação: Carinho e Trabalho, o psicólogo do trabalho e professor da Universidade de Brasília (UnB) Wanderley Codo lembra que educar é também cuidar. “A escola acaba sendo responsável por toda a formação, inclusive emocional, do aluno, já que ele entra muito cedo no processo de escolaridade”, observa.

 

Na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 4,2% dos alunos de 15 anos querem ser professores. No Brasil, são 2,4%. Fonte: OCDE

 

Para o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, é preocupante que a carreira de professor não desperte mais o interesse dos alunos, considerando que as crianças têm contato com professores – dependendo da faixa social e de outros fatores – dos zero aos 22 anos.

“Seria normal que o professor fosse uma espécie de modelo, de personagem, cujos traços você vai querer seguir como muita gente faz em relação aos pais”. No entanto, o percentual de alunos que querem seguir a carreira de professor é muito pequeno, afirma Janine Ribeiro.

Em vinte anos como professora, Ana Célia acompanhou o crescimento de muitos alunos na escola. “Tinha aqueles que me acompanhavam em tudo, às vezes eu ficava doente e eles iam até a minha casa me visitar, sabe? Era uma relação muito gostosa, de amizade mesmo”, relembra. Com o passar dos anos, o comportamento mudou. “Eles sentavam de costas para mim, faziam rodinha e começavam a conversar. (O professor) Era a mesma coisa que nada.”

 

Professores com medo – Além das questões inerentes à vida na sociedade moderna, como o desgaste mental e a dificuldade cada vez maior de criar vínculos, o psicólogo Rodney Querino Ferreira da Costa chama a atenção para outro ponto: a vulnerabilidade. Os professores estão com medo e não se sentem amparados.

Na periferia, questões como o tráfico de drogas não apenas colocam os professores em risco, mas também fazem com que eles se sintam responsáveis por proteger e ajudar os alunos. A professora de Matemática M.S.*, 54 anos, recorda o dia em que chegou para dar aula e ficou sabendo que um bandido havia tentado se refugiar dentro da escola, onde foi morto pela polícia. “Quando eu cheguei, estava lá a poça de sangue e o corpo dele. Isso deixa a gente abalada.”

Grávida, ela sofreu ameaças e agressões verbais de um aluno adulto. “Para você ter uma ideia, eu não consigo lembrar o nome desse rapaz até hoje”, conta a servidora da rede municipal de ensino em São Paulo, que desenvolveu transtorno bipolar ao retornar à sala de aula após a licença-maternidade.

O quadro de vulnerabilidade soma-se, explica o psicólogo Wanderley Codo, à tendência de profissionalização do cuidado. O que antes era responsabilidade da família, hoje recai sobre o professor.

Um dos momentos que mais marcaram o professor de Literatura Gilvan de Souza, 54 anos, readaptado na rede municipal, foi quando uma aluna tentou agredi-lo após ser repreendida por comer em sala de aula. “Depois eu fiquei sabendo que essa menina de apenas 12 anos estava grávida e a mãe não sabia”, conta o professor. A experiência, segundo ele, foi definitiva para que entrasse em depressão.

 

Gilvan de Souza, 54 anos, professor de Literatura readaptado na rede municipal (Cacalos Garrastazu/ eder content)
Gilvan de Souza, 54 anos, professor de Literatura: licença médica por ansiedade

O professor Gilvan de Souza tirou diversas licenças por depressão e ansiedade, mas teve dificuldade em conseguir cuidar da saúde mental. “Eu busquei ajuda psiquiátrica: fui em uns três psiquiatras, não gostei do método, fui num psiquiatra do meu convênio, também não gostei”, conta. Há cinco anos, ele paga o tratamento do próprio bolso, com um profissional indicado por um amigo.

 

Sem acompanhamento psiquiátrico – A Coordenadoria de Gestão de Saúde do Servidor (CGSS) dispõe de três especialistas para fazer a avaliação de perícias médicas dos professores da rede municipal, o que não inclui tratamento ou acompanhamento psiquiátrico. Após o diagnóstico, vem a fase da adaptação aos medicamentos para os transtornos identificados.

A professora de Educação Física G.L.*, 41 anos, está atualmente em licença devido à troca da medicação para controlar a ansiedade e a depressão que desenvolveu na rotina de trabalho da rede municipal de ensino.

Nos sete anos desde o diagnóstico, os remédios foram constantes, mas a terapia, não. Assim como o professor Gilvan de Souza, G.L. ela conta que tentou se adaptar a diferentes profissionais, mas achou as opções oferecidas pela Prefeitura e pelo convênio médico limitadas. Atualmente, tem convênio próprio e está no início do acompanhamento com um novo terapeuta.

 

Esse é um ponto em que os professores entrevistados são unânimes: a necessidade de contar com apoio psicológico constante, tanto para eles quanto para os alunos. Para o psicólogo Rafael Cheng, que atende a docentes, uma boa solução seria ter um profissional na escola para ajudar a lidar principalmente com as questões da profissão.

A solução para o problema estaria em prevenir, antes de tudo, que os professores adoeçam em sala de aula. Mas, para isso, não é suficiente apenas apoio psicológico constante, observa Cheng. O professor precisa estar seguro dentro da rede de profissionais com quem trabalha, desde seus colegas até a direção e a coordenação, e se sentir estimulado no dia a dia.

Questionado sobre programas ou ações nesse sentido, o MEC respondeu que essa é uma responsabilidade de quem contrata ou empossa docentes concursados. “Não compete prioritariamente ao MEC”, informou o ministério por meio da assessoria de comunicação. Cabe aos estados e municípios “dirimir qualquer caso relacionado à atividade laboral do corpo funcional de professores”, diz a assessoria.

Para o ex-ministro Janine Ribeiro, atualmente professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, o sistema de educação pública no Brasil era bom até o fim da década de 1960. “Funcionava bem, em parte porque não tinha muitos alunos, os professores eram bem pagos e, de modo geral, se considerava o ensino público melhor do que o particular”, lembra.

 

Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff (Cacalos Garrastazu/ eder content)
Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação: quebra grande de qualidade

A desvalorização do profissional e o consequente adoecimento dos professores, afirma Ribeiro, passa por um salário baixo, pouco investimento na educação, indisciplina e pela própria imagem que os pais têm dos professores. Ele cita um meme que circulou recentemente na internet e faz uma comparação: um garoto mostra o boletim com nota baixa aos pais. Em 1980, o pai repreende o aluno. Em 2019, repreende o professor.

Para o ex-ministro, uma das questões mais urgentes é o aumento do piso salarial do docente. “A carreira de professor tem que ser atrativa. O piso salarial nacional hoje do professor é de R$2.200 – isso varia de estado para estado – mas eu acho razoável supor que deveria chegar a um piso de 4 a 5 mil reais”, defende. Em contrapartida, a formação dos professores também precisa melhorar. Segundo ele, essa dobradinha quebraria o círculo vicioso atual: a carreira é pouco atrativa, os docentes não podem investir tanto em formação e os salários não aumentam.

 

Prevenção é melhor que medicação – O município de Sobral, cidade de 208 mil habitantes no noroeste do Ceará, tornou-se referência nacional em educação ao conquistar a nota mais alta do país nos anos iniciais do ensino fundamental, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb): passou de 4,9 para 9,1 em apenas uma década. É lá que encontramos projetos para enfrentar o avanço dos transtornos psicológicos entre professores da rede pública.

Um desses projetos é o Ressignificar, um programa de atenção à saúde mental do professor que oferece um espaço para os docentes relatarem suas vivências dentro da sala de aula, em parceria com profissionais de saúde da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“Nós já sabemos que há situações de estresse identificadas em professores, há sobrecarga de trabalhos. A partir daí, começamos a reunir os técnicos e procuramos a interlocução com a universidade”, conta o secretário municipal de Educação de Sobral, Herbert Lima.

Segundo o secretário, o projeto já conseguiu estabilizar os casos de professores com diagnóstico de depressão. Os professores se reúnem com profissionais da área de psicologia e, a partir do ciclo de diálogo, expõem situações e angústias. Em uma próxima etapa, pode haver um encaminhamento para um profissional da área de saúde. “É um espaço de escuta, compartilhamento das dificuldades dos trabalhos”, explica.

 

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O trabalho como fonte de adoecimento – Em Sobral (CE), o salário médio de um professor da rede municipal com 40 horas semanais de trabalho é de R$ 2.992,05. Com 1.676 docentes para 33.564 alunos, a proporção é de 20 alunos por professor.

O próximo passo, ainda em fase de implementação, é a inserção de um orientador educacional em cada unidade escolar de Sobral para atender tanto professores quanto alunos. “Vamos colocar um psicólogo formado para desenvolver trabalhos relacionados à empatia, estresse e respeito ao próximo nas escolas”, diz Lima.

No Projeto Elaborar, o objetivo é melhorar a relação dos professores com o próprio trabalho. “Na medida em que você cuida junto com eles do trabalho, você cuida da saúde. O trabalho pode ser uma fonte de adoecimento, mas também de renovação, recriação e invenção”, explica o psicólogo Pablo Pinheiro, que coordena os dois projetos de prevenção de transtornos mentais entre docentes de Sobral.

Professor sem alunos  – Os professores ouvidos nesta reportagem são todos readaptados, um termo que acompanha muitos docentes da rede pública depois que são diagnosticados com algum transtorno mental ou comportamental. Continuam sendo professores, só que sem alunos.

A readaptação serve para manter o cargo do servidor público, mas respeitando suas limitações após a doença que causou o afastamento do trabalho. O professor passa por uma perícia médica – realizada por um profissional da Prefeitura ou do Estado – e recebe um laudo, que indica a necessidade ou não de readaptação.

Alguns laudos recomendam, por exemplo, manter distância dos alunos no trabalho diário para evitar estresse, outros indicam que o profissional precisa ficar em local com pouco barulho.

 

Tapa buraco – As funções que eles exercem são as mais variadas, já que não existem diretrizes que definam o trabalho do readaptado que não pode voltar à sua tarefa original. Em notas enviadas à reportagem, as secretarias de Educação do município e do estado informam que é o superior imediato que determina quais serão as funções do readaptado, observando as recomendações do laudo médico. Na prática, isso abre espaço para as mais diversas atividades.

“O que faltar, eles colocam pra você. Não tem ninguém para atender o telefone, vai lá, atende. Não tem ninguém para telefonar para os pais, não tem ninguém no balcão, fica você. Cada dia você tá num canto, tapando buraco”, relata E. F.*, professora de História de 67 anos, readaptada na rede municipal de São Paulo.

Diagnosticada com depressão, ela reconhece que a doença afetou sua memória e que talvez não consiga dar aula novamente, mas defende que o professor readaptado tenha aproveitamento adequado ao seu conhecimento. “Temos muito a contribuir e nada é aproveitado. Muitas vezes, ficamos lá recortando papel”, conta.

 

A queixa é recorrente entre professores que adoeceram e foram readaptados. A professora C.K. conta que o readaptado é visto, muitas vezes, como alguém que não quer trabalhar, “que readaptou por frescura”. Ao retornar à escola, não tinha ideia do que esperar. “Eu não sabia o que seria de mim a partir daquele dia, não sabia o que me esperava. Fiquei pensando o que eu poderia fazer na escola que não fosse dar aula”, lembra.

Assim como os demais professores ouvidos pela reportagem, C.K. diz que é preciso repensar o trabalho que vai ser executado pelo readaptado na escola. “Se a pessoa tem fobia social, não pode ficar atendendo telefone, nem atendendo secretaria. Se ela tem depressão, também tem algumas restrições. Quando vem o laudo, tá escrito o que ela pode ou não fazer”, observa a professora de Matemática.

 

Papel social – O psicólogo Rodney da Costa observa que a profissão tem um papel social muito importante para os indivíduos, diz muito sobre quem somos. “Por mais que todas as funções tenham seu valor, a pessoa quis ser professora. É esse o papel que ela tem, essa é a identidade que ela tem. E, às vezes, tirar essa identidade, por mais que seja por uma questão de saúde, acaba fazendo sofrer muito”, alerta.

Resta, então, um impasse: professores não querem voltar às salas – pelos traumas sofridos e pela própria indicação médica – mas alguns ainda querem se envolver no processo pedagógico. C.K., por exemplo, gostaria de dar apoio aos professores, ajudar em projetos, elaborar projetos de inclusão, preparar aulas para quando falta professor. Em vez disso, trabalha em uma mesa no corredor da escola por não ter um local designado para readaptados e faz trabalhos como atender telefone e organizar arquivos.

A readaptação não significa que não haverá recaídas: todos os professores ouvidos pela reportagem tiraram licenças médicas após o retorno à escola. Os relatos também são permeados por queixas de incompreensão e desconfiança. “É como se eu fosse uma marginal, é como se eu tivesse cometido um crime. E eu não cometi crime nenhum. Eu fiquei doente na sala de aula”, conta a professora Ana Célia, que chegou a ter uma licença de três meses negada.

O professor Gilvan de Souza resume um temor que acompanha os docentes readaptados: o retorno ao perito psiquiatra. Assim como ele, outros professores relataram tensão e nervosismo nos dias que antecedem a consulta. O medo de ter a licença negada e o receio de ser mandado de volta para a sala de aula estão entre os motivos citados por eles para ter ansiedade, insônia e pânico antes das consultas.

 

Versão século 21 – A tecnologia mudou quase tudo à nossa volta, mas pouco no sistema de ensino. Mudamos a maneira de pedir comida, de andar pela cidade, de compartilhar a vida com os outros. Mas praticamente não mudamos a maneira de ensinar as crianças e os adolescentes – e os próprios professores se ressentem disso.

“O saber e as informações estão constantemente se transformando, e a gente precisa de modelos educacionais que deem conta dessas demandas. É uma demanda social, política, tecnológica, ambiental. Não podemos continuar nos apoiando no mesmo modelo que vem sendo utilizado há 500 anos para dar conta de questões atuais”, avalia Cheng.

 

Desafio presente e futuro – Próxima de se aposentar como professora na rede pública de ensino, a professora E.F. afirma com convicção que a estrutura escolar é falha e que o modelo que usava para ensinar quando começou sua carreira, há cerca de 40 anos, não funciona mais. “A escola está ultrapassada. Precisa se informatizar, usar celular em sala, alguma coisa que interesse aos alunos”, afirma a professora de História, Sociologia e Filosofia.

“Novas gerações implicam em novos anseios de aprendizagem”, avalia o professor Gregório Grisa, do IFRS. Ele ressalta que as diferenças geracionais pesam na relação entre professor e aluno. Enquanto os pequenos estão mais envolvidos com tecnologias no dia a dia, os docentes muitas vezes não sabem como usá-las e, portanto, não entendem alguns dos anseios dos alunos. “Isso produz um estresse psíquico, porque o professor não tem recursos para responder a essas demandas”, avalia.

Para Cheng, a questão passa ainda pela mudança no papel do professor. Além de informar e transmitir conhecimento para o aluno, o professor e a rede de ensino têm um papel importante na formação de pessoas. “É muito diferente – quando a gente pensa no professor e na escola – formar e informar o indivíduo. O processo de informar envolve transmissão de conceitos, enquanto a formação exige sensibilidade por parte do professor e exige uma capacidade de construir o ser humano”, diz o psicólogo.

 

* Alguns professores ouvidos nesta reportagem pediram para não terem seus nomes revelados e estão identificados apenas pelas iniciais.

 

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