Um dos maiores especialistas em bullying nas escolas, atualmente, é o psicólogo espanhol José Maria Avilés Martinez. Nesta semana, a revista semanal Época publica entrevista em que Avilés, como é conhecido, diz que o problema passou a ser potencializado com a internet:
"O chamado cyberbullying coloca a vítima numa situação pior. Ao fazer os ataques, o agressor está distante, de certa forma seguro. Já a vítima não consegue prever o que vai acontecer. Pode até não conhecer a pessoa que a ataca. Isso não acontecia no assédio presencial", diz
Avilés, no entanto, não é pessimista e acredita que a comunidade escolar - incluindo docentes, administradores, pais e mesmo escolares - tem como combater o bullying.
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PRIMEIRO, UMA LIGEIRA DEFINIÇÃO:
Bullying, ou assédio escolar, é a prática de atos violentos, intencionais e repetidos, contra uma pessoa indefesa, que podem causar danos físicos e psicológicos às vítimas. O termo surgiu a partir do inglês bully, palavra que significa tirano, brigão ou valentão, em tradução direta para o português.
AGORA, À ENTREVISTA:
O bullying sempre existiu. O que o torna mais preocupante hoje?
Sim, é verdade que o bullying sempre existiu, mas a internet potencializou seus efeitos. O chamado cyberbullying coloca a vítima numa situação pior. Ao fazer os ataques, o agressor está distante, de certa forma seguro. Já a vítima não consegue prever o que vai acontecer. Pode até não conhecer a pessoa que a ataca. Isso não acontecia no assédio presencial, em que o agressor tinha de encontrar a vítima no pátio da escola. Seja off ou on-line, o bullying afeta diretamente a dignidade e o bem-estar emocional das pessoas. Nas escolas vemos como meninos e meninas, em casos extremos, podem morrer por causa do bullying. Agora, a sociedade começa a refletir mais sobre isso. Ele acontece por repetição, é persistente. Além de intencional, é planejado. Sua base é um desequilíbrio de poder. A vítima é sempre mais fraca, seja fisicamente ou por outros motivos. E o maior aliado de quem abusa é sempre o silêncio de quem está em volta.
Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou que as chances de o bullying ocorrer em escolas brasileiras são duas vezes maiores do que a média registrada em 48 países. O que isso diz sobre o Brasil?
A situação no Brasil não é fácil. Há diferenças notáveis entre escolas privadas, que já sabem implantar programas de convivência, e as públicas. Por que o Brasil tem percentagens mais altas de risco de bullying? Porque está atrasado na implantação de programas de prevenção em relação a outros países. Sem uma ação contra ele, o bullying aflora. Todos os países que quiseram diminuir os índices de bullying nas escolas promoveram programas preventivos envolvendo alunos e professores. No Brasil, existe um corpo docente deficitário, sem formação suficiente para abordar esses temas. Principalmente no sistema público. Mas também percebo muito interesse, vontade de aprender. É preciso envolver professores, diretores, as famílias. Ainda há um caminho longo a ser percorrido.
Nos Estados Unidos, uma cidade chegou a considerar multar os pais de alunos que fazem bullying. O que o senhor acha?
É uma gestão pitoresca. Mas há vários problemas. Não adianta jogar a culpa em um adulto, que pode querer proteger o filho, e proteger mal. Medidas punitivas e restritivas, como a de colocar policiais nas escolas, implementar castigos duríssimos a agressores, entre outras, não se mostraram efetivas a longo prazo. Os agressores também precisam de ajuda. A forma de lidar com o bullying tem de ser muito mais preventiva e compreensiva. O medo nunca educa.
De que maneira as escolas podem incentivar a quebra do silêncio em casos de bullying?
Para prevenir o bullying, defendo uma metodologia com equipes de alunos eleitos pelas turmas da escola, que podem ajudar os colegas nos momentos necessários. Isso gera uma estrutura positiva dentro das salas. Essas equipes geram um bom clima escolar e têm liderança e autonomia para agir quando os conflitos surgem. Estão disponíveis para que os alunos possam se aproximar e contar sobre os problemas. Claro que devem receber uma formação para isso, que as capacite para a identificação de conflitos, com técnicas de comunicação e de tomada de decisão, entre outras coisas.
Quais são as evidências de que essa metodologia funciona?
Temos experiências na Espanha e no Brasil. O clima escolar muda radicalmente: passa de um ambiente sem comunicação e possibilidade de pedir ajuda a uma estrutura legitimada pela própria escola. As vítimas falam, e os agressores passam a ter mais consciência do dano que causam. O silêncio é combatido.
Muitas escolas reclamam do alto número de conflitos. Como resolver isso?
Ao contrário do bullying, os conflitos não se caracterizam por desequilíbrio de poder. São situações de confronto que podem ser resolvidas de maneira pacífica. Minha sugestão são equipes de mediação, formadas por alunos. Esses mediadores escutam uma parte, escutam a outra, ajudam. Normalmente são alunos mais velhos. Eles também precisam receber uma formação para melhorar suas habilidades ( de mediação ). Outra estratégia é adotar o chamado “círculo restaurativo”, que consiste em estabelecer um canal de diálogo entre pessoas em conflito para evitar que ele evolua. Como hoje muitos conflitos acontecem on-line, é preciso atenção à “cibermentoria”. Os alunos mais velhos podem ajudar os mais novos a navegar na internet, fazer bom uso das redes sociais, configurar perfis seguros, proteger senhas, denunciar um assédio. É um processo educativo, não começa como caso de polícia. Isso também exige dar formação aos professores, capacitar o corpo docente.
Recentemente, o governo brasileiro vetou um projeto de lei que previa psicólogos e assistentes sociais nas escolas. Qual é o efeito disso?
A experiência espanhola nos diz que psicólogos e assistentes sociais têm um papel positivo. O trabalho nas escolas é multidisciplinar. E, para abordar os problemas de diferentes disciplinas, as escolas têm incorporado profissionais de perfis distintos em suas equipes. Isso é básico. Um professor deve ser assessorado em suas decisões, para saber lidar com pessoas com problemas psiquiátricos, ou em situações de privação social, ou que exigem conhecimento de psicologia. O professor já tem bastante trabalho com a docência. Sei que no Brasil a carga horária é extensa. Não podemos pedir mais aos professores. Negar isso é um erro.
*Elisa Martins é jornalista. Entrevista originalmente publicada na revista Época (aqui), edição de 21/11.