Antes de seguir neste texto, é recomendável que o leitor observe o gráfico publicado abaixo, com o número de empregos formais criados (ou perdidos) no Brasil desde 2003.
Observado o gráfico, vamos em frente. Ele é um retrato explícito do Brasil nos últimos 16 anos. Esses números deveriam ser a preocupação número 1 de quem pensa o país.
De 2003 a 2014, onde as colunas do gráfico estão em azul, foram criados 17,73 milhões de empregos formais. Nos três anos seguintes, onde as colunas são vermelhas, perderam-se 2,88 milhões. No ano passado, com a volta de um modesto crescimento econômico, houve a criação de 529 mil empregos. Neste ano, o ritmo de ampliação modesta continua - 351 mil novas vagas de janeiro a maio.
A pergunta que intriga economistas é: por que o país está demorando tanto para sair da atual crise recessiva, em que há 13 milhões de pessoas desempregadas?
Dificilmente algum especialista vai discordar de que houve, desde 2015, uma mudança "brutal" no regime fiscal brasileiro. Esse termo colocado entre aspas foi usado por três economistas do Ibre-FGV em evento recente no Valor: Armando Castelar, Lívio Ribeiro e Sílvia Matos.
É fato que o governo passou a exercer uma forte contenção de seus gastos. Os números que esses economistas mostraram são eloquentes. De 1998 a 2014, as despesas do governo central cresceram a uma média anual de 6,3% em valores reais, corrigidos pela inflação. De 2015 para cá, as políticas fiscais restritivas reduziram o ritmo de alta para 0,3% ao ano.
Sim, a contenção era necessária. Fica absolutamente claro, porém, que foi a falta de combustível do gasto público que levou o país a viver sua pior recessão em todos os tempos. E note-se que a esquerda não pode atribuir esse "feito histórico" apenas ao que chamou de "governo golpista" de Michel Temer. Dilma Rousseff deu início a esse aperto fiscal ao tomar posse no segundo mandato, em 1º de janeiro de 2015, com a política de arrocho do seu ministro da Fazenda Joaquim Levy. Claro que o ministro Henrique Meirelles, no governo Temer, deu obstinada sequência a essa política, com a emenda que impôs o teto de gastos.
Não há razão ou superstição para adiar o combate à recessão
A reforma da Previdência, segundo o discurso oficial, será a mãe da retomada da economia. Há controvérsias, muitas controvérsias, sobre esse dom da reforma. Sim, ela é necessária, mas sozinha pode não levar a uma aceleração do crescimento econômico por uma razão simples: é contracionista. Pretende tirar da economia R$ 1 trilhão em dez anos (talvez, menos), dinheiro que deixa de circular para estimular consumo e criar empregos.
A economia está nesse marasmo, vamos repetir, por falta do combustível dos gastos públicos. E a narrativa do governo sustenta que essa austeridade vai levar ao crescimento. O raciocínio é o seguinte: a reforma da Previdência e outras contenções de despesas reduzirão a incerteza a respeito da solidez das contas públicas; a redução da incerteza permitirá a queda dos juros e o aumento do crédito na economia; isso tudo criará um círculo virtuoso com mais demanda, mais emprego, menos incerteza, mais investimento e assim por diante.
Esse discurso é um bálsamo para o mercado, essa entidade também conhecida como setor financeiro. Mas, na verdade, trata-se de uma crença da qual muitos economistas, até mesmo alguns mais ortodoxos, começam a duvidar. André Lara Resende, em seguidos artigos no Valor, tem concordado com o diagnóstico de que a economia está em frangalhos, mas não com a terapia sugerida para curá-la.
Para Lara Resende, é equivocada a opção de equilibrar o orçamento do governo a curto prazo. Melhor seria fazer isso de forma gradativa, a longo prazo, e ao mesmo tempo promover um grande programa de investimentos públicos de qualidade em infraestrutura e uma revisão simplificadora da estrutura fiscal para estimular o investimento privado.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já não nega tão firmemente, como fazia antes, a necessidade de medidas que possam representar estímulos à economia. Ele sabe que os investimentos em infraestrutura são o caminho mais curto para ativação dos setores da construção, que aplicam injeções de emprego na veia. Não há razões científicas ou mesmo superstições que justifiquem por que essas medidas ainda não foram tomadas. Guedes deixou claro que não vai adotá-las antes da aprovação final da Nova Previdência no Congresso. Só no fim do recesso parlamentar, em agosto, poderá ser apresentado o chamado "choque de investimento privado na infraestrutura".
A multidão de desempregados terá de esperar o Congresso concluir a conturbada votação da reforma, aprovada em primeiro turno na Câmara na semana passada, para começar a ter esperança de encontrar trabalho e ter renda.
Esse comportamento do ministro lembra algo que se faz com crianças. O menino quer chupar o picolé, mas os pais não o autorizam, a menos que ele coma antes o espinafre. Tudo bem, vamos contar com a colaboração e a boa vontade do menino para engolir a comida amarga antes de ganhar o doce. Só é preciso tomar cuidado para que ele não fique nervoso demais a ponto de quebrar o prato ou virar a mesa.
Não se pode abusar da paciência de 13 milhões de adultos que, com seus 40 milhões de familiares, há anos, disciplinadamente, comem o espinafre e não ganham o sorvete.
Pedro Cafardo é editor-executivo do Valor Econômico
(publicado originalmente na edição de 16/07 de Valor)