Fepesp - Federação dos Professores do Estado de São Paulo

Por agencia sindical em 4 de setembro de 2024

O perigo da fragmentação da atenção

Comum em tempos de smartphones e acesso instantâneo a informações, o comportamento multitarefa, por vezes enaltecido entre adultos, é uma prática que pode estar facilmente atrelada à dispersão da atenção reforçada por esses mesmos dispositivos. Comprometendo a capacidade de concentração dos alunos, o uso indiscriminado do celular na escola, principalmente na sala de aula, representa um dos maiores desafios enfrentados pelos professores.

Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) — exame aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) —, mais de 45% dos estudantes brasileiros afirmam que o uso de dispositivos móveis interfere na concentração, especialmente em disciplinas como matemática. O índice aponta, também, o Brasil como o sexto país com a maior taxa — 40,3% — de alunos que afirmam se dispersar quando observam o uso do equipamento por um outro colega. No auge da conectividade, é possível ter algum controle sobre o uso de celulares em sala de aula?

“Concentração dispersa”

A presença física nunca foi a garantia de que os alunos iriam focar a atenção nos objetos estudados. (…) Se professores e os alunos estão com os focos de atenção para o mesmo objeto, a chance de as informações serem obtidas, inclusive por meio dos aparelhos digitais, e serem articuladas e relacionadas entre si, com seus contextos históricos, possibilita suas transformações em conceitos, gerando produção de conhecimento. Mas se a atenção for fragmentada em vários objetos, aí não existe mais aula”, avalia Antônio Álvaro Soares Zuin, psicólogo pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e professor do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Em entrevista ao SinproSP No Ar, podcast quinzenal produzido pelo Sindicato dos Professores de São Paulo, o especialista destaca o que ele chama de “concentração dispersa” como um dos maiores problemas associados ao comportamento vicioso — e tão corriqueiro — da checagem constante ao celular. Quando permitido durante o período de aulas, o comprometimento do processo de aprendizagem é certeiro.

Não basta restringir o uso de celular na escola

Na avaliação de Zuin, autor de Fúria narcísica entre alunos e professores: as práticas de cyberbullying e os tabus presentes na profissão de ensinar (ed. Universitária da UFSCar), ainda que não se vislumbre uma possibilidade efetiva de controle, acordos podem ser estabelecidos entre professores e alunos — o pesquisador é adepto da prática quando está em sala de aula — e as escolas devem se envolver, limitando o acesso a aplicações e sites pela rede wi-fi das instituições. A simples restrição a dispositivos, portanto, não resolve a questão.

“Na sociedade atual, em que temos acesso à informação em qualquer lugar e qualquer tempo, não há mais uma possibilidade de controle em relação a isso, que ocorria antes da chamada Revolução Microeletrônica. Na medida em que os professores e os alunos estão juntos, na análise de um determinado objeto, o professor ou a professora se sente também estimulado a rever seu ponto de vista sobre determinado assunto”, afirma Zuin.

Apesar dos desafios - que compreendem, ainda, a perseguição a professores por meio de práticas de cyberbullying, em que docentes têm suas imagens gravadas, manipuladas e postadas nas redes sociais -, o pesquisador destaca alguns aspectos positivos do uso dos celulares em classe, quando orientado de forma pedagógica.

O acesso imediato à informação pode gerar reflexões valiosas e aumentar o engajamento dos estudantes, promovendo um aprendizado mais colaborativo. “Permanecer desconectado não é uma atitude fácil. Com o acesso a esses dispositivos, há uma possibilidade incrível de desenvolver uma série de insights em conjunto que provavelmente iriam se perder.”

Em um cenário cuja conectividade é inevitável, a chave está em transformar a tecnologia em uma aliada na construção do conhecimento.

Por Milena Buarque, jornalista e apresentadora do podcast SinproSP no Ar

Artigo publicado na revista Educação.

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