Federação dos Professores do Estado de São Paulo, 20 de abril de 2024

18 de setembro de 2018|

A carteira do cidadão de segunda classe

Ou: como se declarar escravo com uma carteira de trabalho fajuta

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por Ricardo Paoletti (*)

Muitos, mas nem todos, conhecem a cor da carteira de trabalho, que registra o seu emprego formal e garante direitos como aposentadoria, férias, respeito às leis de trabalho que ainda temos e observância das convenções coletivas de trabalho. É azul. Mas agora, o candidato presidenciável de extrema direita resolve inovar, em sua proposta de pretenso combate ao desemprego: criar uma carteira alternativa, de capa verde-e-amarela, cujo portador abriria mão de quaisquer direitos, topando condições fora-da-lei impostas em negociação direta com o seu empregador.

Seria assim: com a carteira azul, todos os direitos. Com a verde-e-amarela, acordo tácito abrindo mão de qualquer direito, topando qualquer pagamento em qualquer condição, para garantir uma ocupação. Houve tempo em que proposição semelhante garantia trabalho de sol a sol em troca de lugar para dormir e um prato de comida, e essa condição era chamada de escravidão. Foi abolida em 13 de maio de 1888. Agora, o candidato-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado pretende voltar aos tempos de antanho.

Essa proposta é uma interpretação rasteira e radical da ideia de que, com a ‘reforma’ trabalhista, passa a valer o negociado sob o legislado. Ou seja, se o trabalhador topar o que o patrão quiser, vale um truco sobre as leis da terra. Poderia trabalhar por um trocado. Poderia abrir mão de quaisquer direitos.

Ocorre que essa é uma interpretação maldosa, leviana. O sentido de fazer valer o ‘negociado sobre o legislado’ é justamente o de firmar acordos e convenções coletivas – que tem força de lei – com condições de trabalho melhores do que a liquidação da mão de obra patrocinada pela ‘reforma’ trabalhista, que trata de promover o trabalho intermitente, permitir grávidas em condições insalubres, picotar férias, dificultar a justiça do trabalho. Exemplo de negociado sobre legislado, de verdade, foram os acordos firmados em convenção de professores e auxiliares na Educação Básica de São Paulo: o patronal pretendeu rasgar a convenção para aplicar a ‘reforma’ nas escolas, os professores e auxiliares resistiram e garantiram na negociação a manutenção de direitos.

A vergonhosa ideia da ‘carteira-verde-amarela’ é a de criar uma casta de trabalhadores desprovidos, de cidadãos de segunda classe. Que abram mão de sua dignidade. Mas para isso tem remédio: é só não votar nos candidatos da exploração, ou que apoiam a ‘reforma’ trabalhista e querem nossa submissão.

(*) Ricardo Paoletti é jornalista

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